Na Semana Nacional da Pessoa com Deficiência, um exemplo vivo de superação! É assim que melhor se pode definir a professora Priscila Lopes Ferreira, de 30 anos, que há cerca de um ano leciona a disciplina de Linguagem Brasileira dos Sinais (Libras) para os estudantes de diversos cursos da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR)

Nascida em Cuiabá, ela veio ao mundo com surdez profunda por conta de sua mãe ter tido rubéola na sua gravidez e passou por muitas dificuldades quanto criança, uma vez que não conhecia a linguagem dos sinais. Ela conta que a maior barreira que enfrentou foi sempre a dificuldade para se comunicar com as outras pessoas. Ainda assim, com muito esforço e ajuda da mãe, desenvolveu a fala já adulta, que apesar de não ser completamente limpa, é perfeitamente entendível.

Quando eu era criança, minha mãe me mostrou que existiam dois caminhos: ‘você quer aprender aquilo?’ Eu olhava e via crianças brincando, uma bagunça, eu não entendia o que era aquilo. Minha mãe me falou que era Libras. Mas eu queria ser como minha mãe, que era linda”, declarou.

Priscila relembra que, inicialmente, sua mãe a colocou para estudar junto com outras crianças com deficiência, mas ela não se adaptou, pois achava tudo ali muito chato. “Eu queria ir embora, não queria aquilo. Não me via ainda como uma pessoa com deficiência. Foi então que minha mãe me levou para uma escola normal, o que foi minha maior dificuldade, porque o professor não acreditava em mim, me deixava isolada, sozinha. ‘Ela tem problema mental, deixa’. Eu tentava chamar, professor me ajuda. O que é português, como é que escreve, mas ele não estava nem aí”, continuou.

Foi depois de 25 anos, por insistência de sua mãe, que ela decidiu aprender Libras, quando finalmente entendeu que se tratava de uma língua, uma forma de se comunicar com as outras pessoas e isso criou novas perspectivas na sua vida, já que a partir daí ela acabou aprendendo a ler. “Aí eu voltei a estudar, aprendi muito e isso abriu minha mente. Antes, eu era muito fraca de português. Foi depois desse tempo todo que comecei a entender o português. Para mim, é mais confortável a Libras, mas antes de eu aprender, as pessoas riam de mim, porque diziam que a minha língua era de outro país. Eu não sabia como fazer para explicar que eu era surda ou deficiente auditiva. Aprender Libras, para mim, foi muito importante”, externou a hoje professora.

Priscila Lopes atesta que, foi só então que entendeu os motivos que levaram sua mãe a querer lhe mostrar esse caminho, o da Libras, que foi a própria quem a ensinou. “Foi minha mãe que me ensinou a falar, pois eu tive que aprender a fazer a leitura labial. No início, era só na gesticulação, e tudo foi graças à minha mãe. Eu devo muito a ela, pois teve muita paciência, porque eu era muito teimosa. É por isso que a Libras é tão importante para as pessoas com deficiência auditiva. Eu mesmo tenho muita dificuldade com a leitura labial, pois algumas pessoas falam muito rápido, outras falam com a boca fechada. E tem também os filmes dublados, eu não consigo entender. Eu não escuto e como não conseguia entender, as pessoas riam. Também tenho dificuldades para ver o jornal na TV, novela, por isso é importante a legenda”, explicou.

LUTAR, SEMPRE

A professora relata que, até a sua adolescência, ela estudou com outros alunos sem deficiência, mas com muita dificuldade, tendo inclusive reprovado por quatro vezes na 5ª série do primário mas, ao invés de desanimar, isso a estimulou mais ainda a romper com suas barreiras. Eu fiquei com tanta raiva que estudei mais ainda. Depois que eu aprendi Libras, ficou melhor. Mas eu sempre quis estudar, até hoje, por causa da minha dificuldade com o português, com a leitura. Eu tenho que me esforçar muito para ler e também nos concursos, porque eu não consigo tirar notas muito boas”, declarou, com uma tristeza no semblante.

Eu sempre gostei de estudar, porque eu queria ser igual aos ouvintes. Eu não quero ser vista como inferior. Eu quero ser como todo mundo, eu também sou capacitada. Ainda tenho muitas barreiras, mas mesmo assim eu vou lutar sempre”.

Professora da matéria de Libras vinculada ao Departamento de Letras da UFR, ela conta que ensina o conteúdo para vários cursos, sendo que a disciplina é obrigatória em alguns e opcional em outros. Para Priscila, outras pessoas que possuem a mesma ou outra limitação física devem lutar para vencer as barreiras impostas pela sociedade para as mesmas e mostrarem o seu valor, pois possuem capacidade para isso. “Quando o professor não quiser ensinar, procure outro. Se não tem um intérprete, procure outro. Minha mãe falava para mim: “Você pergunta onde que é o Atacadão. Se a pessoa não quer explicar ou não entendeu, pergunta para outra pessoa. Pergunte para dez pessoas, até conseguir. Até hoje eu faço isso, até conseguir as respostas que quero. Nunca pode desistir, sempre tem que lutar”, ensina.

Para ela, a Libras já é bem divulgada hoje em dia, mas ainda precisa de mais divulgação, para que esse conhecimento ajude outras pessoas como ela a se inserirem na sociedade. “A Libras, na verdade, é muito antiga, já vem desde a época dos macacos. Depois que viraram humanos, aí deixaram de lado. Antes não falavam, só imitavam, que nem uma criança. Foi numa situação de dificuldade que um homem precisava alertar alguém e acabou gritando e percebeu que tinha a voz. Aí sumiu a Libras, que agora está voltando”,relatou.

FELIZ E REALIZADA

Apesar de suas limitações e dificuldades, a professora Priscila se diz feliz e realizada, por poder se dizer igual a todo mundo, que sempre foi seu maior objetivo. “Eu apanhei muito na mão porque não conseguia falar. Hoje já mudou muito para as pessoas mais novas que eu, mas as mais velhas as pessoas deixavam lá, no canto isoladas. É por isso que é bom as pessoas aprenderem Libras, pois se o surdo receber o treinamento certo, tiver a atenção que precisa, a maioria conseguirá falar”.
Muito ativa, ela agora luta pela aplicação da lei federal que obriga os cinemas a oferecerem filmes legendados para os surdos e poltronas com fones de ouvido para os cegos.
Ela foi recebida na redação do a TRIBUNA, para dar essa entrevista, acompanhada do intérprete César Augusto, voluntário da Associação dos Surdos (Assur).

Fonte: https://www.atribunamt.com.br/

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