O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) promete ser um pouco mais desafiador para os 8.799 inscritos que declaram surdez total ou parcial. Educados com a Língua Brasileira de Sinais (libras), eles têm o Português como segundo idioma, e sentem dificuldades na interpretação de comandos e opções de respostas da prova devido as diferenças de estrutura entre as duas línguas. Para remediar a situação, um projeto vinculado ao curso de Letras Libras e Português L2 da Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas (Falem) do Instituto de Letras e Comunicação (ILC) da Universidade Federal do Pará (UFPA) oferece aulas de reforço em Português para estudantes surdos que farão o exame.

Noticia_20141110_ImagemO número de candidatos com surdez total ou parcial que farão a prova quase dobrou em comparação ao ano passado, quando 4.660 se inscreveram. O aumento de 88% parece ser uma tendência, pois, se considerado o número de inscrições de candidatos surdos em 2010, 2.850 estudantes, o número triplicou. Este aumento na procura, entretanto, ainda não se reflete na quantidade de universitários surdos. Para se ter um exemplo, na UFPA, apenas três estudantes, num universo de 30 mil alunos, não ouvem.

A bolsista do curso de Libras da UFPA, Jaqueline Miranda, de 24 anos, única universitária surda no campus do Guamá, relembra sua árdua jornada para entrar na faculdade. “Eu estudava sozinha e era bem complicado, pois o curso que optei era concorrido. Fiz a prova e tentei não me preocupar com isso. Quando vi minha pontuação e comparei com a pontuação mínima para entrar no curso, tive esperança de que ia dar certo”, conta ela, que deixou de lado momentaneamente o sonho de tornar-se médica veterinária por causa das dificuldades no preparo e de base insuficiente em Língua Portuguesa.

Com o objetivo de oferecer um melhor preparo e aumentar as chances de entrar na faculdade para estudantes como Jaqueline, surgiu o projeto da “Oficina de leitura e escrita de Português para surdos”, idealizado pelo professor Waldemar Cardoso Júnior e co-coordenado pela única professora surda da faculdade, Giselle de Mello.

“No vestibular do ano passado, tivemos alunos surdos inscritos – seis ou sete alunos pelo que lembro -, mas só um passou. Então, levantando algumas hipóteses, percebi que a redação do Enem poderia ser uma das grandes dificuldades dos surdos nesse exame”, explica Waldemar. A ideia do projeto é ajudar os alunos surdos a desenvolverem estratégias de leitura e escrita do Português. “Interagir com uma língua escrita não é um processo tão simples para o surdo. O texto produzido por um surdo apresenta uma escrita diferenciada devido à influência da estrutura linguística da Libras, que é diferente do Português . O projeto tem o objetivo de aproximar o surdo de uma sociedade letrada, pois o surdo faz parte da nossa sociedade”, argumenta o professor.

Atraso

“Os surdos são plenamente capazes de aprender a Língua Portuguesa, porém, sofrem um atraso de aprendizagem quando saem das escolas específicas, bilíngues, para as escolas inclusivas (regulares)”, avalia Giselle. Para ela, os professores das escolas regulares deveriam utilizar metodologias de ensino que incluam também o aluno surdo. “Acredito que o ensino de Libras deveria fazer parte do currículo das escolas regulares, ou pelo menos, da formação dos educadores”, propõe a professora, que ressalta a dificuldade não só no Enem, mas em outros tipos de processos seletivos, como vestibulares e concursos públicos.
Sentados em círculo – disposição ideal para as classes voltadas a surdos – os cerca 20 alunos atendidos pelo projeto produzem textos baseados em provas do Enem de anos anteriores. “A gente percebe o vocabulário deles aumentando. Quando explicadas as regras de produção textual do Português, eles vão pegando o ritmo e se sentem mais confiantes em relação ao exame”, conta a tradutora de Libras da universidade, Valéria Cunha.
A falta de tradutores formados nos locais de prova, aliás, é denunciada por muitos alunos da oficina. “Os textos têm muitas palavras que não conhecemos, quando tentamos tirar a dúvida com os intérpretes, eles não sabem esclarecer. A tentativa de explicar com gestos acaba nos deixando nervosos e inseguros em relação à prova”, conta a estudante Aline Santos, 18 anos, que fará o Enem pela segunda vez. “O ideal seria uma prova traduzida em Libras para nós”, opina a estudante.

Intérpretes

Para atender a demanda dos estudantes surdos, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela prova, reduziu o número de alunos com surdez por sala. No ano passado, eles participaram da avaliação em um ambiente separado, divididos em grupos de oito estudantes. Este ano haverá apenas seis. Os alunos continuarão sendo acompanhados por dois intérpretes, que podem ajudar, e terão uma hora a mais para fazer a prova.
O Inep esclarece que todos os tradutores devem ter certificação em Libras. De acordo com o Inep, eles passam por um processo de capacitação presencial sobre os procedimentos da aplicação do Enem. Neste ano, foram solicitados 4.775 apoiadores – 3.332 para Libras e 1.443 para leitura labial.

Fonte: http://www.ormnews.com.br/noticia/lingua-portuguesa-e-barreira-para-os-candidatos-surdos#.VGCeoZRdVWI

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *