Noticia_20140627-1_ImagemResponsável pela coluna “Momento Surdo” da Revista Reação há mais de 6 anos, Zovico nasceu em Limeira/SP, com pais ouvintes e um irmão também surdo de nascença. Desenvolveu uma sólida carreira no magistério e se destaca na defesa dos direitos e interesses do segmento, já tendo trabalhado como voluntário em diversas instituições e sido membro do Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa com Deficiência, além de participar da Comissão de Estudos da Comunicação Visual da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), atividade que resultou na normatização de regras de acessibilidade para diversas deficiências.

Atualmente é professor de matemática e LIBRAS na Escola Municipal de Educação Bilingue para Surdos Helen Keller, e de matemática no Instituto Santa Terezinha, onde também é orientador, ambos na capital paulista, e professor de LIBRAS na Faculdade de Agudos/SP. É ainda coordenador nacional de Acessibilidade para Surdos da FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos e diretor de relações públicas da Associação dos Professores Surdos do Estado de São Paulo. Mantém o blogwww.acessibilidadeparasurdos.blogspot.com e atua como palestrante e consultor em Acessibilidade para Surdos e Pessoas com Deficiências Auditivas junto a empresas dos mais variados tipos. Dando sequência à série de entrevistas com nossos colunistas, vamos conhecer um pouco mais sobre ele:

Revista Reação – Hoje se discute muito a inclusão escolar, qual sua opinião sobre a existência de estabelecimentos de ensino específicos para surdos ?
Neivaldo Augusto Zovico – Minha infância foi na cidade de Limeira/SP, tenho um irmão mais velho e surdo também, meus pais se preocupavam com a nossa educação e resolveram mudar para São Paulo/SP. Fomos estudar na escola especial para Surdos, que naquela época se chamava Instituto Educacional Helen Keller, e hoje mudou para Escola Municipal de Educação Bilíngue para Surdos Helen Keller. Aprendemos e desenvolvemos muito com a educação especial. Eu estudei em duas escolas, uma especial para surdos e em outra comum, chamada Escola Municipal de Educação Faria Lima, que ficava ao lado da Escola Helen Keller. Na escola comum sofri muito por causa da comunicação, não entendia nada o que a professora falava e explicava nas aulas, meus colegas me ajudavam nas atividades porque a professora me chamava de burro e preguiçoso, porque eu não entendia e ela também não entendia o que eu falava. Eu sempre pedia para as professoras da Escola Helen Keller me ajudarem com as dúvidas e as lições da escola comum. Na minha opinião é importante os surdos começarem os estudos na Escola Bilíngue para Surdos, com isso eles vão aprender a construir sua própria identidade surda e, com o desenvolvimento da Língua de Sinais, poderão aprender muitas coisas pois na escola bilíngue haverá interprete de LIBRAS e professoras que se comunicam em LIBRAS. Atualmente, a maioria das escolas de ensino médio do estado de São Paulo não tem intérpretes de LIBRAS, o que prejudica muito o aprendizado dos alunos surdos incluídos. O Estado oferece capacitação em Libras para as professoras, mas a carga horária é muito pequena para que se aprenda bem a linguística e a cultura surda. Em São Paulo existem 6 escolas municipais bilíngues, os surdos de outras cidades vêm para São Paulo estudar porque nas outras cidades não há educação bilíngue e eles não querem ser incluídos no ensino regular devido não haver comunicação em Libras.

RR – Você participou de discussões em Brasília/DF sobre o Plano Nacional de Educação, que deverá ser aprovado em breve. O texto atende aos desafios da educação de Surdos e de pessoas com deficiência em geral ?
NAZ – No ano de 2010 participei das discussões, pois estive em Brasília/DF para apresentar a proposta de Educação Bilíngue para Surdos, mas fiquei surpreso com entidades de diversidades que foram influenciados pelos membros do grupo da educação inclusiva e também do governo federal da Educação que tirou a proposta de educação bilíngue. Durante a discussão fomos discriminados pelas entidades de diversidade e também membros do governo federal. Durante a Plenária Final, onde seriam votadas as propostas de todos os eixos, fomos discriminados pelos dirigentes e grupo de ONG que nos provocavam constantemente e iam de pessoa em pessoa dizer que o grupo de surdos buscavam “segregação”. Defendemos nossa proposta e explicamos que para a criança surda é importante promover a aquisição da língua de sinais e, quando crescer, poderá ir para a escola inclusiva com intérprete de LIBRAS. Os movimentos que não entendem nada sobre os surdos e sobre a aquisição da linguagem foram influenciados, manipulados pelo governo, e a proposta que foi aprovada na primeira instância, com 30%, e que não aceitamos mudar a redação, foi reprovada. Não somos contra a inclusão e sim queremos a melhor educação para surdos e deficientes auditivos. Revoltados pela rejeição da proposta, fizemos a maior manifestação da história, que aconteceu em 2 dias em Brasília/DF, onde se reuniram 4 mil pessoas surdas do Brasil, pais, simpatizantes, intérpretes de LIBRAS, profissionais da área de Educação para Surdos. Participamos de diversas reuniões em Brasília, no Ministério da Educação. Na reunião com conselheiros do CONADE junto com a Secretaria de Direitos Humanos, pedimos para respeitar a proposta de Educação para Surdos. Até hoje a proposta da PNE ainda não foi oficializada por causa desses problemas sérios. Estamos indo para a batalha durante a Conferência Nacional de Educação, que acontecerá no mês de novembro deste ano.

RR – Como você analisa o uso e o ensino de Libras, já que você foi pioneiro no grupo de Letras/LIBRAS da Universidade Federal de Santa Catarina/polo USP para a formação de professores em LIBRAS em nível superior ? 
NAZ – Me formei em Matemática em 2001 na UNIFAI. Em 2007 me formei na Pós- Graduação do curso de EDAC – Educação para Deficientes Auditivos da Audiocomunicação da faculdade FMU e, em 2007, e também fui pioneiro no grupo de Letras/LIBRAS, me formei como professor de LIBRAS em 2010. Com esse curso me senti um professor muito evoluído, pois a aprendizagem na faculdade de Letras/LIBRAS foi muito importante e significativa, me motivou muito.

RR – Todo Surdo deve aprender LIBRAS ? Quais as vantagens sobre a linguagem oralizada ?
NAZ – Sim, porque a LIBRAS facilita o desenvolvimento, a aprendizagem e aumenta o vocabulário de palavras em sinais do Surdo, facilitando muito o entendimento e a escrita em Língua Portuguesa. Quando uma pessoa fala, tenho que me esforçar e prestar muita atenção nas palavras fazendo a leitura labial, mas se não entendo uma palavra acabo perdendo todo o contexto, e na comunicação feita em LIBRAS não há esse problema. A Língua de Sinais facilita a compreensão e a comunicação dos Surdos.

RR – O número de cirurgias para implante coclear ainda é pequeno no Brasil, apesar de serem gratuitas na rede pública. A maior aplicação do procedimento poderia mudar o quadro da surdez no Brasil ?
NAZ – Sim, é pequeno, mas os pais dos surdos acreditam que eles vão ouvir bem e igual aos ouvintes mas isso raramente acontece e muitos implantados que ainda não conseguem se comunicar verbalmente continuam sendo usuários de LIBRAS. Quando a pessoa ouvinte perde audição e faz o implante consegue ouvir porque ele já foi ouvinte e adquiriu a linguagem oral anteriormente. Quando é surdo mesmo, dificilmente acontece igual ao ouvinte, ele precisará treinar com fonoaudióloga muitas vezes para conseguir distinguir os sons e aprender a falar, alguns desistem ou não têm dinheiro para continuar o tratamento.

RR – Como está a acessibilidade para surdos e pessoas com deficiências auditivas hoje no Brasil ? Quais são as principais dificuldades ?
NAZ – No Brasil a Lei de Acessibilidade foi criada em 2000. Há também o Decreto de Acessibilidade, a Norma da ABNT e diversas legislações, mas ainda hoje a acessibilidade oferecida está longe do ideal. As dificuldades que ainda persistem são: Legendas e intérpretes de LIBRAS na maioria das programações das emissoras de TV e até no discurso da Presidente do Brasil Dilma não há esse recurso; Intérprete de LIBRAS em diversos lugares públicos como hospitais, postos de saúde, delegacias, bancos, curso de capacitação para mercado de trabalho, repartições públicas etc; SAC – Serviço de Atendimento ao Consumidor surdo que seja eficiente; serviços de emergência como polícia, bombeiro, resgate, disque denúncia com a tecnologia SMS, chat de internet ou videofone para comunicação em Língua de Sinais.

RR – Da parte das empresas, já que você atua como consultor, como está sendo a absorção de pessoas surdas e PcD auditivas? Há oportunidades suficientes de trabalho para todos ?

Noticia_20140627-2_ImagemNAZ – Como consultor de acessibilidade para surdos nas diversas formas de comunicação, indico qual é a melhor tecnologia, a mais adequada e eficiente para a comunicação com o Surdo. Também faço consultoria para o emprego dos surdos conforme a Lei de Cotas, que ajudou muito. Existem muitas oportunidades para o trabalho dos surdos que não têm formação ou capacitação. O problema é que os empregos estão disponíveis em cargos inferiores e existem muitos Surdos formados em nível superior que não conseguem empregos para os cargos nos quais se formaram, ficando nesses outros cargos por muitos
anos sem nenhuma promoção. Eles se decepcionam, pois são tratados como incapazes, o que não é verdade.

RR – E o sistema closed-caption, de legendas ocultas, obrigatório em todas as TVs vendidas no Brasil, tem cumprido seu papel ? As emissoras, que têm obrigação de exibir uma quantidade mínima de programação com a tecnologia, estão cumprindo seu papel ?
NAZ – As empresas fabricam os televisores com closed-caption, mas o problema é que as emissoras não colocam a legenda ou janela com interprete de LIBRAS em grande parte da sua programação, conforme a portaria 310 do Ministério das Comunicações. O Governo brasileiro deveria apoiar e incentivar muito mais a acessibilidade para os surdos, porque somos também cidadãos brasileiros conscientes.

RR – Quais devem ser as próximas lutas e reivindicações do segmento Surdo ?
NAZ – Nós queremos a garantia da Educação Bilíngue para Surdos em todo o Brasil, porque assim os Surdos aprendem a construir a sua própria identidade. Lutaremos também pela acessibilidade e os direitos dos Surdos, que devem ser respeitados. Nós, Surdos brasileiros, ainda enfrentamos muitas barreiras, principalmente na comunicação.

RR – Você quer deixar uma mensagem especial aos leitores da Revista Reação, que há tantos anos acompanham seus artigos e sua trajetória ?
NAZ – Agradeço muito aos leitores que reconhecem a nossa luta para garantir os direitos dos Surdos e PcD auditivas no Brasil… são quase 10 milhões. Espero que todos apoiem e divulguem a importância da LIBRAS para a inclusão dos Surdos dentro da sociedade brasileira. Gostaria de fazer um pedido aos Governos Federal, Estaduais e municipais, para que coloquem legendas e a janela de intérpretes de LIBRAS na televisão e no cinema, garantindo ao Surdo a acessibilidade e consciência das informações importante a todos cidadãos brasileiros.

Fonte: http://revistareacao.com.br/website/Edicoes.php?e=98&c=981&d=0

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