Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul

 Dois acadêmicos surdos procuraram a Defensoria Pública da comarca de Campo Grande, unidade Antônio Maria Coelho, solicitando ajuda para continuar os estudos de Pedagogia.

Os alunos estão matriculados no primeiro semestre do curso superior da Universidade Anhanguera-Uniderp e apresentam sérias dificuldades em acompanhar o desenvolvimento das disciplinas por não terem um intérprete habilitado em Língua Brasileira de Sinais (LÍBRAS).

O caso recebeu o acompanhamento dos Defensores Públicos Fábio Rogério Rombi da Silva e Valdirene Gaetani Faria.

 Defensor Público Fábio Rombi.

De acordo com o Defensor, a Universidade disponibilizou intérpretes para a realização do vestibular, tendo ambos sido aprovados para o ingresso no curso superior. No entanto, desde o início do ano letivo, a Instituição não oferece intérpretes habilitados.

A partir do encaminhamento de ofícios da Defensoria Pública, a Universidade informou que estava em processo de seleção para contratar profissionais da área e, enquanto isso, disponibilizou uma funcionária temporariamente.

“Porém, a profissional tem pouquíssima desenvoltura na Língua Brasileira de Sinais (LÍBRAS), o que passou a comprometer o desempenho dos alunos. Por exemplo, a comunicação não pode ser feita literalmente letra por letra, pois isso torna a tradução impossível de ser feita e sincronizada com a fala do professor. Para dar velocidade real na transmissão é necessário valer-se de sinais que de uma só vez representem palavras inteiras. Inclusive é necessário haver interação entre o intérprete e o surdo para que combinem entre si sinais que representem com um gesto as palavras desprovidas de sinais próprios”, explica o Defensor Público.

Devido à falha na comunicação entre os estudantes e a intérprete, os alunos buscaram informações sobre a formação da profissional e descobriram que ela não tem formação superior em curso de licenciatura e nem foi aprovada no Exame de Proficiência na Língua Brasileira de Sinais (LÍBRAS), realizado pelo Ministério da Educação. Dessa forma, a funcionária não poderia exercer a função de intérprete.

 Defensora Pública Valdirene Gaetani Faria.

“A Língua Brasileira de Sinais (LÍBRAS) é um sistema linguístico complexo, que visa a transmissão de ideias e fatos. Como a funcionária, a par de sua boa vontade, não detém o conhecimento de LÍBRAS desenvolvido a esse ponto, o fato é que não está ocorrendo uma perfeita comunicação entre ela e os estudantes e, não por menos, estes, procuraram a Defensoria Pública novamente”, afirmou a Defensora Pública Valdirene Gaetani Faria.

A intérprete que estava acompanhando os autores cursou LÍBRAS no Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS), mantido pela Secretaria de Estado de Educação (SED), tendo paralisado seus estudos no 2º Módulo.

“O aluno que realiza tal curso citado deve cursar quatro módulos e realizar mais dois anos de ‘Prática de Interpretação (PI)’. Somente ao final desse período é que estará capacitado a prestar o ‘Exame de Proficiência na Língua Brasileira de Sinais (LÍBRAS)’, realizado pelo Ministério da Educação (MEC)”, pontua o Defensor.

 Ensino a Distância

Outra questão crítica apontada pelos Defensores Públicos durante o caso é o fato da Matriz Curricular do Curso de Pedagogia ter previsão de matérias a serem cursadas de maneira virtual. Nesse primeiro semestre de 2014, por exemplo, a disciplina realizada no regime EAD (Ensino à Distância) chama-se “Desenvolvimento Pessoal e Profissional”, com carga horária de 40 horas. A matéria prevê 8 aulas, cada uma compreende a leitura de um texto, a transmissão de uma “web aula”, a elaboração de 2 atividades sem atribuição de nota e a resolução de 1

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questionário que equivale a um trabalho, inclusive, contendo prazo para a entrega no dia 07/04/2014.

“O problema não está só em assistir ao vídeo, que não vem acompanhado de tradução para LÍBRAS, mas no fato de que os deficientes auditivos utilizam o português apenas como segunda língua. Deste modo, a leitura dos textos disponibilizados e a resolução dos questionários também não se faz possível sem o acompanhamento de um intérprete”, diz a Defensora Pública.

“Por todos os fatos apresentados fica evidente que para que os portadores de deficiência auditiva exerçam suas atividades acadêmicas, faz-se necessário o auxílio de um intérprete em Língua Brasileira de Sinais (LÍBRAS) durante todo o curso, inclusive para as matérias EAD. O acompanhamento de tal profissional deve, ainda, ser prestado de modo integral e contínuo, sob pena de impedir o desenvolvimento educacional dos acadêmicos deficientes”, destaca o Defensor Público.

 Trâmite Judicial

O caso dos dois alunos surdos recebeu o acompanhamento inicial do Defensor Público Fábio Rogério Rombi da Silva, titular da 36ª DPE, com atribuições na 17ª Vara Cível de Competência Especial. A ação foi distribuída e passou ter a atuação da Defensora Pública Valdirene Gaetani Faria, titular da 34ª DPE, com atribuições na 10ª Vara Cível.

Conforme decisão da ação inicial pelo Juiz de Direito, a causa deveria ser processada e julgada pela Justiça Federal. A Defensora Pública Valdirene Gaetani, no entanto, interpôs um Agravo de Instrumento solicitando reforma da sentença, enfatizando que o caso seria, de fato, de competência da Justiça Estadual.

Na avaliação do recurso, o desembargador entendeu que a competência para processar e julgar o caso é da Justiça Estadual.

O caso passou, então, a tramitar na Justiça do Estado, como proposto pelos Defensores Públicos inicialmente, e a partir da reforma da decisão, foi deferida a liminar concedendo 10 dias de prazo para a Universidade Anhanguera-Uniderp disponibilizar intérprete com formação concluída em LÍBRAS, sob pena de multa de R$ 300 por dia em caso de descumprimento.

 Divulgação

A falta de intérprete para acompanhar os alunos surdos do curso Superior de Pedagogia da Universidade Anhanguera-Uniderp foi destaque no telejornal Bom Dia MS, da emissora TV Morena, afiliada Rede Globo.

O assunto foi abordado ao vivo, entre o apresentador Ginéz César e o jornalista Rodrigo Grando, e também em uma reportagem, de 05min e 51’s, que mostrou a dificuldade dos alunos, bem como a atuação da Defensoria Pública do Estado de MS.

“Não entendia a sinalização do intérprete, ele fazia mais soletração e os professores falam rápido e ele não conseguia sinalizar. Então eu também não estou tendo esse aprendizado, não chega pra mim de forma completa. Não estou conseguindo aprender nada”, disse a aluna Ana Cláudia de Almeida Silva, por meio da intérprete Karine Albuquerque.

O outro acadêmico, Alex Sandro de Oliveira Cardoso, afirmou que fica constrangido entre os alunos e se confunde com o apoio do intérprete.

“Às vezes ele conversa em sala de aula e a gente fica ali um tempão sem saber com quem ele está conversando, nem o que o professor está falando”, traduz a intérprete.

 

O Defensor Público Fábio Rombi afirmou a preocupação da Defensoria Pública com os assistidos que, já em fase da realização de provas do primeiro bimestre, não estão conseguindo acompanhar o curso.

“Em casos dessa natureza não dá para aguardar a sentença final, não dá para prever quando terminará o processo. Durante esse tempo, o acadêmico não pode ficar prejudicado em sua aprendizagem”, afirmou.

A reportagem completa pode ser conferida aqui.

 Caso Tábata

Em dezembro de 2012 a Defensoria Pública do Estado de MS atuou em um caso semelhante, também relacionado a estudante com deficiência auditiva.

Tábata com os pais na Defensoria Pública – unidade Antônio Maria Coelho. Campo Grande, janeiro de 2013.

Depois de ter sido aprovada no vestibular para o curso de Ciências Biológicas, a jovem Tábata Larissa Rodrigues, que é surda, teve a matrícula no curso atrelada ao custeio de um intérprete, exigência da própria instituição, uma universidade particular da Capital.

Na época, no período da matrícula, a Universidade Católica Dom Bosco informou que Tábata só cursaria a graduação, caso os gastos com um intérprete fossem custeados pela família. Foi quando a mãe da jovem, Iraene Rodrigues, procurou a Defensoria Pública.

 

O caso foi atendido pela Defensora Pública Leslie dos Reis Gonçalves. Por meio de uma ação inicial, a Defensora obteve liminar determinando judicialmente que a Universidade oferecesse todos os recursos necessários à formação de Tábata no curso superior.

Foi uma resposta célere da Justiça que entendeu a urgência do caso e a gravidade da diretriz apresentada pela instituição de ensino. Para que portadores de deficiência auditiva exerçam atividades acadêmicas, é essencial o auxílio de um intérprete em Língua Brasileira de Sinais, durante todo o curso, de forma contínua, integral e ininterrupta. O não acompanhamento de tal profissional impede o desenvolvimento educacional do aluno, enfatizou a Defensora Pública, na época.

Com a atuação da Defensoria Públcia de MS, Tábata curso hoje o segundo ano de Ciências Biológicas.

Tábata e sua família tiveram a resposta no dia 30 de janeiro de 2013, como foi noticiado no site institucional da Defensoria Pública de MS.

É uma grande conquista, estamos todos muito felizes. Foram dias difíceis, ela perguntava toda hora se eu achava que ia dar certo. Hoje temos a confirmação, comentou a mãe Iraene na matéria.

Fonte:http://dp-ms.jusbrasil.com.br/noticias/116490933/academicos-surdos-buscam-defensoria-publica-de-ms-para-que-universidade-ofereca-interprete-habilitado

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