“Surdo longe de casa” poderia ser o nome de uma obra de ficção, mas foi o título dado a uma fan page que garantiu a visibilidade necessária para solucionar o caso de um homem que se perdeu e passou dois anos praticamente sem se comunicar.
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A história começou em junho de 2010, em Itapetininga. Numa noite fria daquele mês, a Polícia Militar foi acionada para atender o casal de uma chácara, que afirmava ter um invasor na propriedade, na margem da rodovia Raposo Tavares. Os PMs levaram o suspeito à delegacia, onde descobriram que a invasão, na verdade, era um pedido de ajuda feito por um deficiente auditivo. Sem entender os gestos do indivíduo, o encaminharam ao Serviço de Obras Sociais da cidade, organização que oferece atendimento com estadia, refeições, passagem e vestuário a migrantes e pessoas de rua. 

Sem mala e sem documento. Foi assim que o sujeito de nome desconhecido chegou ao albergue. Preocupados com a situação dele, os funcionários da instituição pediram auxílio à Integra, entidade que promove a profissionalização e sociabilização de deficientes auditivos em Sorocaba. Alexandre Henrique Elias dos Santos, intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e coordenador na Integra, se prontificou em ajudar. Ao fazer o primeiro contato com o desconhecido, constatou tratar-se de um homem surdo e sem conhecimento de Libras. Suas expressões com as mãos não representavam nada na língua oficial dos surdos brasileiros. A segunda tentativa foi oferecer a ele papel e caneta, mas também desconhecia a Língua Portuguesa, não sabia escrever nem desenhar.

A situação intrigou Alexandre. A falta de um documento, porém, dificultava que a ajuda chegasse ao homem surdo. Sem uma carteira de identidade, ele não podia se deslocar a Sorocaba, onde seria possível colocá-lo em contato com outros surdos e alfabetizá-lo na língua de sinais.

Mudança de rumo

Em 2012, Alexandre assistiu a uma reportagem na TV que lhe trouxe a inspiração para mudar os rumos da história do homem cuja identidade ainda era uma incógnita. A matéria era sobre um brutamonte que comoveu milhares de pessoas na internet ao lançar uma campanha no Facebook. Dias depois de divulgar seu caso na internet, o professor de academia estava diante das câmeras de telejornais, chorando e implorando ajuda para localizar seu pit bull desaparecido. Com ampla divulgação do caso, em pouco tempo o cachorro apareceu e o reencontro foi destaque em toda a imprensa. “Me veio à cabeça: Se esse rapaz conseguiu encontrar o seu próprio cachorro, que também não tem formas de se comunicar e de informar o local de onde veio, posso fazer o mesmo para ajudar esse rapaz, que também tem dificuldades para comunicação”, contou o educador.

A primeira iniciativa de Alexandre foi criar uma conta no Facebook para o “Surdo longe de casa”. Em 17 dias, o pedido de ajuda com a foto do deficiente foi espalhado pela rede, atingindo a marca de 5 mil amigos, o número máximo permitido de contatos por perfil. “Isso ocasionou uma visibilidade enorme e pela rede comecei a receber inúmeras parcerias em diferentes estados de grupos voltados a pessoas desaparecidas e Instituições especiais.” O próximo passo foi a criação da fan page. Sem limites para propagar o apelo por ajuda, em pouco tempo a história misteriosa despertou o interesse da mídia tradicional: programas de TV, sites de notícias e jornais. A partir daí, Alexandre reservou um número de telefone para divulgação. 

Paulinho

Na manhã do dia 23 de junho de 2012 o telefone tocou. Do outro lado, alguém dizia: “Eu conheço esse rapaz. Esse é o Paulinho, o Paulo Sérgio. Ele mora aqui na cidade de Sengés, no Paraná. Ele costuma andar aqui pela praça e é irmão de um vizinho meu.” Era o início de um desfecho para a história do “surdo longe de casa”.

Na mesma semana, a Justiça em Itapetininga estava prestes a conceder um nome provisório para Paulo Sérgio Jardim, 42 anos, para que ele tivesse uma identidade e usufruísse dos seus direitos de cidadão, como votar e ser matriculado numa escola.

Após estabelecer contatos na cidade de Paulinho, descobriu-se que ele morava na zona rural do pequeno município, paralelamente à casa de um irmão, que não tinha condições de ampará-lo. A informação sobre seu paradeiro chegou até um segundo irmão, que residia na área urbana da mesma cidade e se dispôs a acolhê-lo, nos fundos da casa onde morava com a esposa. “Hoje ele tem sua casa própria nos fundos da casa do seu irmão e conseguiu se aposentar pelo INSS”, afirmou.

Um dos resultados mais importantes da campanha, segundo Alexandre, foi o fato de a prefeitura de Sengés instituir um órgão, que passou a atender a todos os deficientes da cidade, de modo a promover a inclusão. Além disso, o professor acredita ter propagado na internet e na televisão conhecimento sobre a surdez e a importância do ensino de Libras. “Pra mim, foi uma ferramenta de compartilhamento que pôde realmente trazer a alegria de volta aos olhos de um rapaz surdo, que não conseguia exteriorizar a sua história. Ajudamos esse rapaz, sua família que estava preocupada com o seu sumiço e abrimos portas pra mostrar que o Facebook é uma ferramenta que, se bem usada, é de uso inclusivo e social”, avalia. (Thiago Arioza)

 Fonte:http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia/529149/campanha-mobiliza-ajuda-para-surdo-analfabeto-que-se-perdeu

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